domingo, 20 de setembro de 2009

Ó Moinho Abandonado !


Ó moinho abandonado
Gigante de pedra e cal
Guardião das serranias
Venho-te aqui visitar
Porque sabes fui criado
Com o pão que tu moías

Já não tens velas nem nada
Estás sozinho sem ninguém
Estás todo desmantelado
Junto a ti querido moinho
Com a Santa de minha Mãe
Sabes bem que fui criado

O vento errante dançava
nos braços do meu moinho,
e o meu moinho cantava
porque não estava sozinho


« Ó vento vem-me contar
os segredos que me trazes
do Mundo, através do tempo »

E na dança com o moinho,
o vento errante cantava :

« De afectos desencontrados,
vi gente que se matava;
em terras que nunca viste,
crianças morrem de fome
míngua do que tu crias,
soluçam outros no escuro
por terem as mãos vazias,
e entregam-se a curto prazo
corpos eivados de cio...


PORQUE TE HEI-DE CONTAR
AQUILO QUE DEUS NÃO VIU ? »...


Eu sou carne e tu és pedra
mas somos da mesma terra,
ambos do mesmo lugar.
Já não te via há vinte anos
e com imensa saudade
te venho aqui visitar

Tenho estado na cidade
onde a vida é uma corrida
e passa ao lado da verdade.
Venho-te aqui visitar
ó moinho abandonado
porque és da minha idade

E o vento errante dançava
Nos braços do meu moinho
E o meu moinho cantava
Porque não estava sozinho


« Ó vento, vem-me contar
os segredos que me trazes
do Mundo, através do tempo »


E na dança com o moinho,
o vento errante cantava :
« Vi olhos que, cheios de ódio,
abraços petrificava :
vi posturas de impossíveis
em mãos de todos os dias;
Em terras que não conheces
de gente que nunca viste,
vende-se e compra-se de tudo,
honra, amor e dignidade,
beijos, passado, verdade !
Há tanta coisa esquecida,
tanta coisa abandonada,
que a alma marmorifica-se
numa escultura de frio.

PORQUE TE HEI-DE CONTAR
AQUILO QUE DEUS NÃO VIU ? »...

E o moinho descarnado,
já sem velas nas madeiras,
girava, rodopiado
de mil e uma maneiras !

«Endoideceu, coitadinho,
endoideceu o moinho ! »

Diziam as escusas aves
que pernoitavam no ar.


E o moinho endoidecido
continuava a girar,
sem vento, brisa ou razão,
continuava a cantar...

Hoje o moinho é sozinho,
mas ouve o vento dizer
enquanto roda a gemer,
todo de branco e vazio :

PORQUE QUISESTE SABER
AQUILO QUE DEUS NÃO VIU ?...


Há silêncio no teu corpo
( o moinho não tem gesto ).
Os teus olhos estão fechados
( há névoa a cobrir o mar ).
Respiras devagarinho
( o vento passa contente ).
As estrelas coniventes,
afastam-me o pensamento
quando eu me vejo nelas.
Mas de que serve haver vento...
se o moinho não tem velas ?...



Falripas da »Vida Viva»

Luis – 2000-12-07

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