terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Alentejo - Terra e Gente




ALENTEJO - TERRA E GENTE - Documento
Antonio Jose Cardoso
História de um Alentejo

"Na época pré-romana vivia, nestas terras transtaganas, um povo celta - os celtici -, que tinha à sua livre disposição e vontade todos os produtos de uma natureza com acento mediterrânico. Como dizia Orlando Ribeiro, de uma forma sintética e esclarecedora "...o Alentejo é mediterrânico por natureza e atlântico por posição." Esse povo vivia e alimentava-se da celebrada trilogia do Mediterrâneo: trigo, azeite e vinho. Eu acrescentaria o porco." (...)

"As datações e as análises feitas, em diferentes estações arqueológicas, a restos de comida e a diferente utensilagem, permitem concluir que as gentes dessa época sabiam preparar carnes e peixes e que conheciam a técnica da transformação dos grãos de cereais em farinha. O mel, que nas serras de Ossa, de Portel e Serpa era abundante e o leite de cabra e ovelha, com o qual fabricavam queijo, completavam, com o recurso intensivo à caça, a dieta alimentar desses nossos antepassados. Tudo amparado pelas duas gorduras assistenciais que se mantiveram até hoje: a banha de porco e o azeite.
O Alentejo, onde existe a maior concentração de necrópoles dolménicas, o que evidencia a existência de uma pujante civilização megalítica, tem comido, através dos séculos, os mesmos produtos que os engenheiros construtores de antas, alguns confeccionados ainda da mesma forma. Dos restos encontrados em alguns dólmens e analisados com a ajuda das nossas tecnologias de datações, conclui-se que o queijo, por exemplo, era fabricado da mesma maneira e com o mesmo coalho - o cardo - que hoje se utiliza. O porco era comido preferencialmente assado nas brasas, com sal e alho, ou com a ajuda de uma raiz da mesma família. Espinhas de peixe, do rio e do mar, elucidam sobre um trânsito entre o litoral e o interior. A presença de vários bivalves, amêijoas e outros parentes próximos, pode deixar estupefactos aqueles que se atormentam em encontrar razões para a receita de carne de porco com amêijoas. E o pão, feito de trigo, com uma farinha grosseiramente peneirada, cheia de farelo, não diferia muito do pão de trigo, chamado escuro ou de segunda, que ainda há poucos anos era consumido em todas as terras do Alentejo. Foi numa anta do concelho de Reguengos de Monsaraz que se recolheram restos de comida juntamente com restos de menta pulegium, mais prosaicamente, poejos, velha erva companheira de açordas e outros cozinhados que nos assiste há mais de três milénios.
(...)
Algumas espécies vegetais, principalmente ervas aromáticas como a segurelha e a sálvia, trazidas pelos gregos, entraram de imediato nos hábitos alimentares.(...)
Com eles [Romanos] viajaram os usos e costumes característicos da sua dieta alimentar que influenciou a forma de comer das gentes desta parte da Ibéria, recebendo, em troca, ensinamentos de práticas da cozinha indígena, que modificaram alguns dos seus hábitos de confecção porque, como dizia Estrabão, este sul do Tejo era o "paraíso das ervas frescas". Os romanos furiosos por peixe, enraizaram o costume do seu consumo na alimentação desta terra alentejana. (...) Já na era cristã, o tempo de quaresma e outras festas de carácter litúrgico, somavam 166 dias de abstinência, quer dizer, quase meio ano sem comer carne. (...)

Com a chegada dos árabes verificaram-se algumas altearações nos costumes alimentares. (...) a religião muçulmana, que condenava o porco como uma das carnes interditas, animal impuro e símbolo de luxúria, obrigou a uma restrição no seu consumo. Digo restrição porque o espírito aberto e inteligente dos muçulmanos não chegou a decidir a proibição absoluta. Só existiu nos lugares públicos de venda e foi objecto de sanções quando o seu consumo era descarado e ostensivamente ofensivo dos preceitos religiosos do ocupante. Não há notícia de abates generalizados de porcos ou de erradicações gerais. Continuou a haver matança em casa dos cristãos e o seu consumo, embora deminuído, continuou. (...) Com eles [árabes] também se iniciou uma forma mais sofisticada de estar à mesa e de comer.
É pena que, por razões de fanatismo religioso, a civilização árabe na Península Ibérica, especialmente aqui em Portugal, não tenha a divulgação e o estudo que merece. Estigmatizados como infiéis, como gente inferior que era necessário matar, a sua brilhante cultura foi ocultada, subtraindo ao nosso conhecimento os esplendores desta civilização.
Os franceses arrogam-se a importância de terem tido o primeiro livre de cozinha, mas esquecem que no século VII, setecentos anos antes do seu Taillevent, já Ibn Razin tinha publicado o seu Fadâla al Jiwân, com centenas de receitas, devidamente narradas, com tempos exactos de confecção, com indicação das vasilhas a utilizar, os cuidados a ter com o lume, de lenha ou de carvão, conforme as receitas, a maneira de servir, etc. Conhecido é também o Kitâb-al-tabîj, de autor anónimo, com quinhentas receitas, contemplando tudo o que se comia nos séculos X e XI.
As grandes ajudas que a cozinha árabe trouxe à cozinha dos cristãos incidiram, principalmente, nas verduras e frutas, e a sua produção criou o conceito de horta, com a sua específica agricultura. É longa a lista que trouxeram e que fixaram em receitas: espinafres, alfaces, chicória, couves, rábanos, cenouras, nabos, etc. As árvores de fruto que chegaram foram a figueira, amendoeira, limoeiro, nespereira, nogueira, uma variedade de laranja azeda, pessegueiros, etc.

(...) No livro Kitâb-al-tabîj, traduzido e comentado por Huici de Miranda, vem mencionada uma receita de açorda. (...) A outra receita, a de ensopado, nem sequer vale a pena narrá-la porque é igual a todos os ensopados, os que não levam batatas, que se fazem em terras alentejanas."

Extraído do Facebook, da página e autoria acima indicados.

O Alentejo não tem fim!

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