quarta-feira, 31 de março de 2010

O Castelo da Nossa Vida...


«O Castelo da Vida, da nossa Vida».
É assim:
Decorria o ano de 1970 quando um jovem (Alentejano, tinha que ser), de vinte e tais anos foi enviado à Escócia para receber formação na implantação de um projecto de produção novo em Portugal.

Num dos seus períodos de lazer este jovem, ávido de conhecer e longe de sonhar o muito que iria aprender, comprou uma espécie de guia dos Castelos das ilhas. Alguns tinham dias de visitas e outros horários mais estritos. Mas o que lhe pareceu mais atractivo era o que se apresentava como «A Visita da Tua Vida» (que acabou afinal por ser mesmo de verdade).

Nas fotografias, pelo menos parecia um Castelo nem mais nem menos espectacular que os outros, mas que era especialmente recomendado. Esplicava que, por razões que depois se viriam a compreender, as visitas não eram pagas antecipadamente, mas tinha de se fazer uma marcação, propondo um dia e uma hora, com antecedência.

Intrigado com este tipo de proposta, o jovem telefonou do hotel naquela mesma tarde e confirmou um horário para a visita. Em qualquer parte do Mundo acontece o mesmo; basta que se tenha uma marcação importante, com hora precisa e nessa necessidade de ser pontual, para que tudo se complique (para mais quando se tem de conduzir pela nossa esquerda). Esta não foi uma excepção, e o jovem chegou ao Castelo 10 minutos mais tarde do que a hora marcada (ele ainda não conhecia a famosa «pontualidade britânica»). Apresentou-se diante de um homem, já idoso, com saia de xadrez que o esperava e lhe deu as boas-vindas.

- Os outros já foram com o guia? - perguntou o jovem ao ver que estava sozinho.

- Os outros? - perguntou o homem. - Não. As visitas aqui são individuais e não temos guias.

Sem fazer qualquer menção ao horário, ele explicou ao jovem um pouco da história do castelo e sugeriu-lhe algumas coisas a que deveria prestar uma atenção especial. As pinturas nas paredes. As armaduras na mansarda. As máquinas de guerra do Salão Nobre, debaixo das escadas, as catacumbas e a sala de torturas na masmorra. Dito isto, deu ao jovem uma colher e pediu-lhe que a segurasse horizontalmente com a parte côncava virada para o tecto.

- Para que é isso? - perguntou o jovem.
- Nós não cobramos antecipadamente a visita. Para avaliar o custo do seu passeio, recorremos a este mecanismo: cada visitante leva uma colher como esta cheia até acima de areia fina. Cabem aqui exactamente 100 gramas. Depois de percorrer o Castelo, pesamos a areia que ficou na colher e cobramos uma Libra por cada grama que tenha perdido... É só uma maneira de avaliar o custo da limpeza - explicou.
- E se eu não perder uma grama?
- Ah, meu caro jovem, então a sua visita ao Castelo será gratuita.

Entre divertido e surpreendido com a proposta, o jovem viu como o seu anfitrião enchia de areia a colher e começou logo a sua viagem. Confiando no seu pulso, subiu as escadas muito devagar e com o olhar fixo na colher. Ao chegar lá acima, à sala das armaduras, preferiu não entrar porque lhe pareceu que o vento faria voar a areia e decidiu descer cuidadosamente. Ao passar junto ao salão que exibia as máquinas de guerra, debaixo das escadas, deu-se conta que para as ver com vagar era forçosamente necessário inclinar-se segurando-se ao parapeito. Não era perigoso para a sua integridade, mas o fazê-lo implicava a certeza de derramar algum do conteúdo da colher, por isso conformou-se em olhar para elas de longe. O mesmo se passou com a mais que inclinada escada que levava às masmorras. Pelo corredor de regresso ao ponto de partida, caminhou satisfeito em direcção ao homem com a saia escocesa, que o aguardava e esperou o ditame do homem.

- Assombroso, perdeu menos de meia grama - anunciou. - Felicito-o, tal como o senhor previu, esta visita saiu-lhe gratuita.
- Obrigado...
- Gostou da visita? - perguntou finalmente o recepcionista.

O jovem hesitou e por fim decidiu ser sincero:
- A verdade é que não muito. Estive tão ocupado a tentar não entornar a areia, que não tive oportunidade de olhar para o que o senhor me sugeriu.
- Mas...que disparate! Olhe, vou fazer uma excepção. Vou encher outra vez a colher, porque é norma, mas agora esqueça-se de quanto vai derramar. Faltam 12 minutos para que chegue o próximo visitante. Vá e regresse antes que ele chegue.

Sem perder tempo, o jovem pegou na colher e correu para a mansarda; ao chegar aí deu uma olhadela rápida ao que havia e desceu a correr para para as masmorras, enchendo as escadas de areia. Não se demorou quase nada, porque os minutos passavam e voou praticamente até à passagem debaixo das escadas, onde, ao inclinar-se para entrar, deixou cair a colher e derramou todo o seu conteúdo. Olhou para o relógio, tinham passado 11 minutos. Ficou outra vez sem ver as máquinas e correu em direcção ao homem da entrada, a quem entregou a colher...vazia.

- Bom, desta vez sem areia, mas não se preocupe, temos o acordo que fizemos. Que tal? Desfrutou da visita?
O jovem hesitou outra vez por uns momentos ...
- A verdade é que não - respondeu por fim.
- Estive tão preocupado em chegar antes do outro visitante tal como combinado, que perdi toda a areia, mas voltei a não desfrutar de nada.

O homem da saia, acendeu o cachimbo (se bem me lembro) e disse:
- Há os que percorrem o «Castelo da sua Vida» procurando o que não lhes custa nada, e não conseguem desfrutar dela. Há outros que estão tão apressados em chegar rapidamente que perdem tudo sem a desfrutar. Alguns aprendem esta lição e demoram o tempo que julgam necessário em cada percurso. Descobrem e apreciam cada canto, cada passo. Sabem que não será gratuito, mas entendem que os custos de viver...valem a pena!

Ou não valem? O que acham?

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