sábado, 3 de abril de 2010

Alta Costura...As Mãos de Minha Mãe...

Eu... Menino Roubado !

Tinha eu escassos meses de leite e de regaço, quando o médico disse a minha Mãe, atónita:
«Nem mais uma hora o amamente, se quiser viver...»

E toda a família, contente, a rodear-me o berço:
«Sim senhor, já está um homem...»

E passearam-me de colo em colo, de braço em braço, como se no calor de cada beijo e no riso de cada graça, quisessem encorajar-me na primeira desgraça que ia acontecer-me...
E logo entre afagos e clamores, que me atordoavam, se firmou a sentença da primeira fome e do meu primeiro exílio. E foi assim, a rir e a chorar, que me desterraram, para longe do seio de minha Mãe, em lágrimas...

Ela sabia – quantas vezes mo contou, depois, a pobrezita! – que os meus lábios, mais do que os meus olhos tenros, conheciam já a curva veludínea e doce do seu peito, porque eu sempre recusara o biberão.
Os meus ouvidos já se rendiam à música da sua voz, e até a mão lhe distinguia, no seu jeito brando de embalar...
E minha Mãe, em toda essa tarde de melancolia, me guardou, a olhar-me, na cova do seu regaço!
O último leite corria, perturbado, ao ritmo do seu peito, porque o seio e o coração alarmados e fundidos, eram um só, e neles se engolfava e sumia o meu rosto redondinho...

- «Nessa tarde, meu filho, o meu coração pulsava, inteiro, no meu seio, e o meu leite corria a tremer para a tua linda boca, enquanto as lágrimas me caíam, ardentes sobre o teu rosto».

Era assim que minha Mãe contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino...
Já a cor do sol poente se apagara no meu quarto, e a asa da noite escurecia as rendas do meu berço, quando ela, em sacrifício, a apartar-se da ventura, foi retirando, devagarinho, o seio da minha boca, deixando-me uma gota de leite nos lábios adormecidos...
E toda a tarde, em choro silencioso, para me não acordar, minha Mãe me fitou, enquanto aquela gota ia secando...
Depois, quando a noite se fechou à nossa roda, de chofre me deitou no berço, fugindo, de mim, a soluçar!...
Mas, para a melodia dar vida e voz a estas letras mortas, eu vou contar como ela dizia na sua fala de encantar:
- «Na manhã seguinte, meu filho, eu espreitava-te de longe, escondida e ansiosa, a ver como acordarias, quando outros braços se abrissem a erguer-te do berço, e sorria, vaidosa, mas a chorar, das voltas que davas para fugir, e como tu, dos laços e das rendas, fizeste um gracioso novelo...
E ainda a tua voz não ajeitava fala para me chamar, nem sequer nos teus olhos assomava a pergunta de quem eu seria... mas já olhavas, inquieto, em busca de não sabias quem.
E, por fim desenganado, os teus gritos encheram a casa inteira! Toda a família correu, então, mimalha, para te calar. Mas não houve seio de mulher a que a tua boca se colasse, nem balada ou passeio de arrolar que te agradasse. E cansado, adormeceste na fome e nas lágrimas...»

Eu senti, que o ar e a luz faltavam à minha vida...

Era assim que minha Mãe contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino:
- «Nas horas em que dormias, deixavam-me à beira do teu leito, e toda eu tremia de amor inquieto e de receio, porque o teu rosto emagrecia e a tua cor desmaiava... Os Os meus lábios iam, então, pousando beijos leves nas tuas mãos, os meus cabelos e os meus dedos deslizavam na tua face, suaves e brandos como o cetim do meu seio atormentado. Mas, mal em ti se abria o primeiro gesto de acordar, logo de ti me afugentavam, para me não veres, e assim os dois vivíamos às escondidas, um jogo de martírio: Tu com a fome do meu leite, eu com a sede dos teus beijos...»

Era assim que minha Mãe contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino:
«Foi um exílio de meses, meu filho, onde vivemos, separados, pela cortina branca do teu pequenino leito...
E, no entanto, o suplício de tântalo aos dois atormentava, ambos pertinho do paraíso, sem nele podermos entrar...
E eu sofria saudades – Oh! Tantas saudades!, dos teus olhos, que só podia ver fechados e bem adormecidos!
Deixavam-me, porém, dormir à tua beira, na treva negra. Mas se despertavas, choroso, por não me teres, eu maldizia a luz brilhante que ia alumiar-nos, e todo o meu peito galava no horror de ter que me esconder...»


Era assim que minha Mãe contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino:
«Uma noite em que mais choravas, eu gritei de longe: Meu filho ! E logo o teu choro parou, contente ou medroso, a escutar...
Dias passaram, e já rias e galreavas em todos os regaços. E só eu errava triste como sombra, de sala em sala...
A consolar-me, esconderam-me um dia para te ouvir dizer: Mamã!
E mais me afoguei na dura pena de não ser eu quem te ajeitara os lábios, para te ensinar o meu nome...»


Era assim que minha Mãe contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino:
- «Uma tarde em que adoeceste, debalde o médico e a família me juravam que a tua doença não era de morte. Então, de noite, ajoelhava-me, a saber da tua febre, tacteando-te a medo o pulso, onde batia um passarinho, colando a minha face, ansiosa, à tua fronte em brasa...
E a febre passou e já de novo rias ao colo de todos!
Dentro da nossa casa, todos podiam beijar-te e ver-te. Só para mim, eras o menino roubado e se... sempre à minha vista...

Até que um dia, ao romper da Primavera, pude, enfim, tornar a ver-te, alegre e renascido no meu regaço!
Como ave sequiosa de ter voado anos no deserto, o meu rosto incessantemente te beijava e os meus braços te erguiam, e cada beijo me dava uma sede de água que me desafogava.
Cada abraço te prendia a mim e para sempre. Na tua boca de rosa viva, a rir-me, entreaberta, brilhava ainda a gota de leite que há meses te deixara, e que era, agora, a pérola preciosa do teu primeiro dente...
Pousei, então, o dedo perguntador, nos teus lábios que não fechavam, já olvidados da visão apetecida do meu peito.
E vi, contente, que se do meu seio te esqueceras, ainda de mim te lembravas, porque me sorrias...»

Era assim que minha Mãe me contava e me sorria, a lembrar-se, saudosa, de quando eu era menino...

Falripas de Minha Mãe
Luis –2002-11-11

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