sábado, 3 de abril de 2010

Alta Costura...As Maõs de Minha Mãe...


Meu Primeiro Passo...

Não o segurem! Ninguém lhe toque!... - pedia-se ansiosamente.

A meio da sala. Eu estava de pé, sorrindo a minha Mãe, que, à distância se curvara, a acenar-me com as suas - duas brancas mãos – duas asas suspensas, a ensinar e a ajudar o meu primeiro passo!
À minha volta, toda a família, risonha, me incitava com entusiasmo no meu acto de heroísmo...
- Vá, meu filho, olha para mim... Vem para o meu colo!...
E aquele gesto voado das suas mãos, que me atraíam para o seu peito, abria, em nós dois, a formosa visão da estrada nova...
Olhei, então, com lágrimas, para todos, de beicito trémulo e medroso, parecendo perguntar se aquilo era feito que se pedisse, às minhas pernas tenras e aos meus dez meses de menino...
- ... Para mim, olha para mim! - insistia minha Mãe...
... como que a desviar-me os olhos de uma vertigem... Por saber que só dela, da sua alma em voo, podia vir-me a força e a graça do meu primeiro passo.
Julguei então que, entre o seu peito e o meu, se firmava o piso leve de uma ponte florida e suspensa, onde eu poderia fixar os pés e segurar as mãos...
E outra vez minha Mãe, curvada, mas mais de perto, a encurtar caminho, para aquela viagem de gigante, me estendia as suas duas mãos aladas, a sorrir-me, a encorajar-me:
Vá, meu filho!... Vem até mim...devagarinho... assim, assim...

E outra vez ainda, rolei nas tábuas duras do pavimento...
- Foi do encerado! Maldito encerado!...
Vencida e triste, minha Mãe pegou-me então, ao colo, levando-me para o pequeno jardim que a Primavera enchera de rosas. E também aí na terra caí, porque os meus sapatinhos resvalaram nas ervas.
Para ali ficámos os dois, sozinhos, ela calada e sonhadora, eu alegre, a galrejar, porque já das quedas me esquecera, e descalço, cirandei toda a tarde, à volta de sua cadeira, preso de prega em prega, à roda do seu vestido.
No ambiente calmo daquela tarde de Julho ardente, ondas de perfume e aves passavam lentas, embaladoras...
Ao longe, na ceifa dos trigais, entoavam versos desse meu laborioso Alentejo, que eu tanto gosto de entoar agora...

Mas já minha Mãe encostara meu rosto no seu braço, a cantar baixinho (e como era doce o seu cantar...), a arrolar, a chamar-me o sono, quando, na roseira em frente, pela mão branda do vento, uma linda rosa vermelha se abriu e me acenou, no mesmo jeito de chamar, que minha Mãe me ensinara...
E logo os meus pés, um após outro, em ritmo trémulo e desigual, caminharam para a flor, perante o pasmo de minha Mãe, silenciosa.
As areias grossas afundavam-se na carne tenra dos meus pés...
Mas o meu corpo de um salto atingiu e abraçou a roseira.
E nos meus dedos floriu sangue, porque a rosa se me quebrou nas mãos, com os seus espinhos (como os da vida)...
Mamã!gritei, risonho, de braço erguido, a mostrá-la, triunfante.

Foi este, Mãezinha, o primeiro passo que marcou o meu destino...
Sempre enamorado pelo que, na Vida, brilha e agrada, e sempre a Vida como que a querer quebrar-se-me na mão, quando a colho!...
... E os meus pés ficam doridos e os meus dedos ficam em sangue...

E foi por isso, Mãezinha, que em tua memória, plantei no meu quintal uma linda roseira, vermelha, hoje enxertada pela Vida e que dá rosas tantas, tantas... vermelhas, brancas e amarelas... que são rosas de primeira !...

Como tu, Mãezinha !



Falripas de Minha Mãe
Luis – 2002-11-11

2 comentários:

  1. Lindo e Verdadeiro!...
    Parabéns amigo por este belo trabalho.
    Isto é sem duvida um hino à mulher, e mais propriamente à Mãe.

    Aquele abraço da amiga certa
    Rosa

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  2. Quem me dera...quem me dera...
    «Que a essa formosa «Virgem», de olhos tentadores,/
    de faces de cetim, rola sem par,/
    que tinha nas faces o carmim das flores,/
    que tinha nos olhos o frescor do ar.../»

    «Porque fugiu de mim, meu doce anelo,/
    saudoso amor, que eu tenho amado tanto,/
    se no meu coração deixou preso um elo/
    de uma emoção profunda do seu encanto ?»

    ««Esse espírito gentil, meiga visão,/ alma luz, rutilante de poesia, / como em sonho feliz, dessa ilusão/ quisera eu voltar a vê-la algum dia !...»

    (à minha Mãe)

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