quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Boneca Partida


Foi no caminho de Betânia
que Jesus sentado estava,
numa pedra à beira rio
o Monte das Oliveiras fitava.

Com Seu olhar calmo e triste
envolto na claridade do fim do dia,
Seu momento final se aproximava
e isso Ele bem o sabia...

Sim, Ele sabia que em breve
o caminho do calvário o esperava,
p’ra que as Escrituras se cumprissem
como previsto, palavra a palavra...

Seu esp'irito estava pronto
Seu coração apertado sentia,
numa profunda tristeza,
que Seu sacrifício não aproveitaria.

Contudo uma infinita doçura havia
no Seu olhar que seguia o rio,
e foi então que viu uma pequenita
que caminhando distraída O não viu.

Devagar e de braços pendentes,
numa mão uma boneca de barro,
grossas lágrimas lhe corriam
como um rio, p’los olhos ardentes

- Choras por se ter quebrado tua boneca?
O bom Jesus lhe perguntou.
- Vem, talvez Eu possa ajudar-te...
Conta-me pequenina, o que se passou!?


Surpreendida a pobre pequenita
recuou de pronto assustada,
apertando forte contra o peito,
a sua pobre boneca quebrada.

Mas, ao ver a luz de imensa bondade
irradiante d’Aquele olhar desconhecido
aproximou-se, mostrando já confiante,
a boneca de barro de braço partido.

Caiu no chão e quebrou-se...
disse a menina, em voz lacrimosa
- Não sei o que hei de fazer...
E o seu rosto iluminou-se.


Teria oito anos, ou talvez nove,
numa face magra e pálida,
dois olhos brilhavam
límpidos e tristes, na tarde cálida.

- Não tens outra boneca ?...
perguntou-lhe docemente Jesus.
- Não tenho...sempre tive só esta
outra não desejo, nem me seduz!

- Deu-ma meu pai, quando doente
meu pai, era oleiro e já morreu !

- Morreu?
- Morreu, levou-o a febre...
hoje rezo por ele, que está no Céu !


Jesus tinha pegado na boneca
que com seus dedos acariciou.
A menina silenciosa o observava
e foi então que murmurou:

- Rabi... Tu és o Rabi...
Por que razão me chamas assim ?
- Tu és Jesus de Nazaré, o Mestre
Poderás fazer um milagre p’ra mim?


- Podes curar a minha boneca ?
Sim, eu sei que Tu podes, Rabi!

- Escuta filha ... tua Fé é simples,
Como tu o és, nasceu em ti !


- Só Deus é bom, são d’Ele os milagres
que dizem feitos por mim ...
Os milagres são uma prova ...
Mas a verdadeira Fé, escuta, é assim...


- Se plantares de uma roseira um pé,
tu não sabes como, mas rosas nascem,
porque o acreditas, ainda que o não entendas
assim tu chegarás à verdadeira Fé !


-É preciso acreditar mesmo quando se não sabe
ou quando ainda não há entendimento.
Eu vou consertar a tua boneca partida,
e será como das rosas o nascimento !

Enquanto falava Jesus apanhou
algum barro húmido do chão,
e o braço da boneca moldou,
colocando-o onde estava então.

A menina O olhava com espanto
Sorrindo, p’ra boneca e p’ro Rabi.
Agora vai...- disse Jesus sorrindo,
vem perto a noite, e esperam por ti !


- Mas, a boneca não volta a partir-se?
Talvez minha filha... e eu não estarei aqui,
mas se te lembrares do que Eu te disse
e se tiveres Fé, continuarei perto de ti !


Apertando a boneca contra o peito,
sorrindo e fitando Jesus,
dizendo adeus abalou,
quase correndo, no fulgor da luz.

Pouco tempo depois chegaram,
os dias sombrios, contam os Evangelhos
a traição e os que O crucificaram,
a morte no calvário... os factos já velhos.

E foram ainda de bondade e perdão
as Suas palavras antes de morrer...
«Perdoai-lhes, Senhor, que eles
não sabem o que fazem...»

Estava escrito, tinha que acontecer !

Tinha morrido Aquele que trouxera
ao mundo a mensagem divina
a mensagem de amor e de esperança
Aquele que tudo vê, tudo sabe...
e tudo de bom ensina !

Toda a sua curta vida pregara
o esquecer das injúrias, o perdão
A tolerância, a paz, a bondade,
o entendimento, a compreensão.

Morreu às mãos daqueles que no tempo
alimentavam ideias de ódio, não de amor.
De fanatismo, vingança soberba, maldade,
não de humildade, a que Ele deu valor.

E, tal como Ele já nessa tarde triste sabia,
outros homens depois viriam,
que continuariam a ser injustos e soberbos,
intolerantes, maus... que se não amariam...

Tinham decorrido dois anos.
na casa pobre da viúva do oleiro
a menina a quem consertara a boneca,
olhava-a com tristeza, o dia inteiro.

Um golpe de vento fizera cair
aquela tosca figurinha de barro,
quebrando-a, deixou-a sem cabeça
sem um suporte, um agarro.

A menina tinha agora onze anos
vivos, a mesma limpidez,
a mesma expressão calma e triste
mas irradiando esperança, outra vez.

Diante da porta um pé de roseira floria, olhos
em botões ainda não desabrochados,
mas donde saía já um perfume discreto
Estávamos em Abril... nos meados.

E a menina murmurou, baixinho:
- Eu recordo as tuas belas palavras,
Rabi de olhar doce. Plantei a roseira,
ela já deu as rosas de que me falavas.


- Eu lembro-me do que me disseste...
que continuarias perto de mim,
quando a boneca voltasse algum dia
a partir-se...
Sinto-te a meu lado Rabi !

- Sinto, sei que Tu me ouves...
E vê, a boneca está de novo partida...
E num murmúrio balbuciante dizia:
- Jesus ! Por favor dá-lhe vida !...

Era ao anoitecer e as sombras subiam
vagarosamente em volta da gente,
a casa era frouxamente iluminada,
por uma antiga candeia de azeite.

Lá fora, nas árvores do poiso próximo,
um rouxinol começou a cantar,
nos seus gorjeios uma estranha melodia
diferente das outras noites se fez soar.

Era uma melodia alegre e suave,
que a lâmpada de azeite fez brilhar
num intenso clarão tão estranho,
que a pequenita fez despertar.

E a pequenita repetiu então:
A boneca está outra vez partida,
Rabi compassivo e bom...
Sei que me ouvis-te... dá-lhe vida !

Sobre a pedra da chaminé,
A boneca estava de novo inteira ...






Falripas da Minha Catequese – Volume 1

Luis – 2001-04-05


2 comentários:

  1. Parabens. Confirma-se a veia poética que o acompanha.
    Aliás, onde está um Alentejano, está um...
    Um abraço
    Joaquim Avó

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