sábado, 14 de novembro de 2009

À Sombra da Cruz


« Se não despes todas as tuas vestes,
não poderás receber a Luz...»


Um dia, um homem ao passar num caminho escuro e longe da aldeia em que morava, encontrou no chão a seus pés, um alforge de couro cheio de qualquer coisa que pesava muito. Olhou, tornou a olhar e como não visse ninguém, pegou no saco e escondeu-o debaixo do casaco.
Começou a andar precipitadamente, quase correndo, até que pudesse encontrar um local mais claro onde pudesse ver o que continha o alforge e satisfazer assim a sua curiosidade. Chagando perto de uma clareira, uma nuvem descobriu a lua e a sua luz inundou tudo como se fora dia. Havia perto um casebre e o homem receou que aparecesse alguém repentinamente e o surpreendesse com o saco nas mãos.
- Não, aqui não estou seguro. Vou andar mais algum tempo até encontrar um sítio absolutamente isolado. E continuou...
A sua ânsia aumentava, porque aquele peso que levava consigo, dava-lhe uma excitação que o fazia arquejar.
Mas os casebres sucediam-se e a lua maliciosa parecia escarnecer com o viandante, mostrando ao longo do caminho toda a sua claridade como se o quisesse iluminar. Já tinha andado uma boa hora, quando as casas se foram tornando mais raras até que, até cerca de mais de um quilómetro percorrido, não avistou mais nenhum sinal de vida. E era muito tarde já para que algum caminheiro retardatário se atrevesse por caminhos tão esconsos.
- Estou só e seguro, finalmente – disse. Mas a lua que traiçoeiramente se tinha escondido, de novo deixou o homem e tudo o que o rodeava na mais profunda escuridão.
- Sentar-me-ei nesta pedra até que a luz volte; entretanto desatarei o saco, para ver se pelo tacto conseguirei saber o que é. Talvez muito dinheiro, talvez jóias; talvez seja a minha fortuna,- disse.
Desatado o alforge, o homem verificou que pela forma e pelo tilintar, deviam ser moedas. De ouro? De prata? E já se via senhor de muitos criados a trabalhar para si e para os seus. Searas brilhando ao Sol e os celeiros cheinhos de loiras espigas.
- Que sorte tive, monologava ele. E como desconheço quem perdeu tal riqueza, tornar-se-á legitimamente minha.
Mas a lua, a temível lua, apareceu outra vez iluminando o caminho, as sebes, as pedras e todo o local. Avidamente o novo homem rico olhou em roda e assustado viu à sua frente uma sombra enorme em forma de cruz. Levantou-se e verificou que ali se erguia um pequeno cruzeiro sobre um pedestal de pedra e em cujo degrau estivera sentado.
Na cruz viu um sinal, e persignando-se, ajoelhou no chão e olhou para o alto com o remorso no coração. Dolorosamente a sua voz, num sentimento de cruel amargura, elevou-se até à cabeça coroada de espinhos:
- Pequei meu Deus, pequei com o coração cheio de cobiça por um tesouro que não me pertencia. Fui desonesto, Senhor, fui um ladrão. A tua sombra protectora, porém, transformou-me e fez-me voltar a sentir o que abafei com o peso do ouro. Julguei-me só e por momentos esqueci que nunca ninguém está sozinho...

Seria bom lembrar-mo-nos sempre deste homem que quis desviar-se da luz, tendo sempre presente que a sombra protectora que vem do Alto e é reflectida pela voz da consciência, é um poder mais forte que todas as forças da Natureza e indica sempre o caminho seguro!


Luis – 2002-11-24

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