terça-feira, 13 de julho de 2010


Sempre a Sonhar !...

Logo de manhã era uma alegria por toda a casa. Em tempo de aulas, então essa alegria redobrava, com as canções e o riso daquelas três raparigas tão puras como flores de abrir.
Ainda o sol espreitava por detrás das árvores do jardim próximo, já elas andavam pelo corredor, com os cabelos em desalinho, aconchegadas em pijamas gaiatos, numa correria de lavagens e de preparativos para a saída.
Depois, já prontas, tendo tomado à pressa uma refeição ligeira, lá iam a caminho das suas tarefas, contentes com a frescura da manhã e com a simplicidade da vida.
Manuela, de livros debaixo do braço, e em passo miudinho, seguia por várias ruas
Levando na alma o sonho alegre da noite que findara – deslumbrada com o sol que lhe doirava os olhos e o cabelo.
Mariana, um pouco mais nova e menos afortunada, caminhava sob os seus verdes anos, a caminho da sua aprendizagem de costureira.
Fátima, a mais novinha e ainda com apenas dez anitos de idade, atravessava o pequeno jardim frontal ao seu local de trabalho na aprendizagem na conservatória do registo civil local, cheio de sombras e do chilro dos pássaros.
Quase sempre encontravam amigas, e então, sem alterar a caminhada saltitante, discutiam as lições, os pontos de costura, ou os registos e certidões de nascimento.
Nem uma palavra triste, nem um desalento, nem uma sombra; tudo corria numa torreira de felicidade...
Pobres, sem haver na sua família um fio de indignidade, viviam, como dissera a tia Mariana, «na graça de Deus e do Demónio».
- «Não quero aqui namoros, entenderam ? Eu que sonhe, que lhes ponho a cara num bolo!» - dizia a mãe , a D. Ana, toda ela uma pilha de nervos...
Toda se calavam e se submetiam. Mesmo a Manuela, já mais velha e audaciosa por temperamento, se resignava também ao cumprimento daquela ordem.
Através dos livros da catequese e das insinuações que a mãe lhes atirava quando se referia ao assédio dos rapazes, conheciam já todo o mistério da vida; sabiam, todas elas, que guardavam em si um preconceito sagrado – a honra – e sabiam, também, que a pobreza em que viviam não lhes permitiria calar o vexame de qualquer leviandade. Por isso, talvez, procuravam fugir da tentações do amor.
Mas... sonhavam, sonhavam sim, num futuro longínquo em que haveria um lar que lhes pertenceria pelo coração; sonhavam, sim, na vaga figura de um homem, todo elegância e amor, que as levaria de braço dado por sombras floridas de jardins eternos...
Sempre... sempre a sonhar !...


Falripas de Sonho

Luis – 2002-11-12

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