terça-feira, 20 de outubro de 2009

Recordando minha avó



Minhas Primeiras Lições

- Criar o que jamais veremos, eis a Poesia... –

Como ainda recordo, minha Avó,
o meu primeiro livro de leitura,
e as primeiras lições que recebi !
Mimoso, eterno legado
que me viera de Ti !
A mais saudosa lembrança,
do meu passado risonho
de criança !

No cantinho da cozinha,
uma aula improvisaste.
Ainda não estavas velhinha
como quando me deixaste !...
Tempos que não voltam mais !

No quintal a pardalada,
chilreava em ar de festa !
Vinha, de fora, o perfume
dos trigais e da giesta.
Ao que a vida se resume !...

Tinha meia dúzia de anos
(meia dúzia de brinquedos)
sentavas-me em tua frente
e sempre com gestos lêdos
afagavas docemente,
os meus lindos cabelos...

Abrias, sobre os joelhos,
a « Cartilha Maternal »
(um dos melhores evangelhos)

eu hesitava... depois,
ia rezando contigo minha Avó:
- « B e A – BÁ; B e O – BÓ...»

E com vontade, estudando,
fui aprendendo e sonhando
saber mais e muito mais...
pouco tempo decorrido,
«papagueava» a meus pais:
- « Este livro é do Luis...»

Era um «homem»... já sabia !
beijos, abraços... sei lá !...
Ai, como tudo se perde !

E até li, já no final,
essas páginas de luz,
que encerram o belo poema
desse poeta genial:
« Andava um dia,
em pequenino,
nos arredores da Nazaré,
o Deus Menino,
o Bom Jesus...»


Só o que nunca aprendi
(a «Cartilha» não rezava,
e Tu nunca mo disseste...)
É que houvesse gente escrava
de outra gente...
Nem sonhava, francamente,
que existissem vis tiranos,
senhores de um poder profundo,
que fazem correr no mundo,
rios de sangue entre os humanos !

Julgava que em todo o homem
( foi assim que me ensinaste )
existisse um São José
bondoso, sereno e franco,
que passeava o Menino,
à tarde, pelos arredores
da lendária Nazaré !
Poderia lá supôr
que a vida fosse um barranco
tão difícil de transpôr !...


Ai, nunca, nunca pensei
que a minha infância morria,
que o meu destino mudava,
e que para sempre Te perdia !
Que a minha vista cansava,
ceguinha de tanto ler,
numa existência perdida,
o livro falso da Vida,
sem nunca o compreender !

Ai, nunca, nunca pensava !...

E quanto mais prosseguia,
nesse cântico divino,
uma suave harmonia,
tão doce e estranha, invadia
o meu sentir de menino !
Tão real, que aos olhos meus,
surgiam os vastos Céus,
e Jesus, brincando, via !...

E não estranho, já se vê,
que se operasse a maravilha...
pois se até o próprio autor
da «Cartilha»
era... de Deus !...

E aquelas letrinhas de oiro,
de tão mágica sedução,
eram estrelas candentes
a oscilarem, perdidas,
no céu da minha ilusão !
E quando me disseste que «sabia»,
nova estrela raiou naquele dia !

Beijaste-me, então muito,
minha Avó,
cheia de orgulho e de afecto,
de com teu parco saber,
teres sido Tu a primeira
professora do teu neto.


E assim aprendi a ler !

Que bom que eu nunca crescesse,
que outro livro mais não lesse
que esse tesouro de infância !


Agora, desiludido,
sabendo que nada sei,
do mundo perdida a crença...
Sinto uma saudade imensa
dos meus sonhos a mil !
Daquela ingénua ignorância,
dos tempos em que era «rei»
do meu domínio infantil !

Ai como tudo se perde !

Como ainda recordo, minha Avó,
as primeiras lições que recebi !...


Mas a morte, que tudo arrebata,
Não arrebatará este meu canto !

Porque eu nunca o deixarei, minha Avó.




Falripas de meus Avós
Luis – 2001-03-27

1 comentário:

  1. Gostei bastante deste belo poema. Onde está um alentejano está um poeta.
    Um abraço
    Joaquim Avó

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