quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Menino Feio



«Que belo é ser criança ... »

Era uma vez um menino que era destituído de qualquer traço de beleza física. Os seus olhos não tinham vida, eram tristes e baços. O seu cabelo sem graça era rebelde e sem brilho e o seu corpo franzino suportava uma cabeça desproporcionada. As suas pernas eram finas e os braços curtos. Para além disto o menino era triste também. As outras crianças olhavam-no com curiosidade e chamavam-lhe feio. Mas não eram só os pequeninos, os próprios adultos se divertiam com o seu aspecto. Inconscientes do mal que faziam, empurravam o menino a que chamavam feio para uma tristeza cada vez maior e onde não luzia uma ténue esperança. Este menino de que vos falo agora fora recolhido por caridade, e como a caridade se paga caro, o pobrezinho trabalhava para além das suas forças infantis. O pão que comia e a mão que lho dava, faziam-lhe esquecer constantemente a sua pouca idade. Caridade meus meninos, pode estar não na esmola que se dá mas no amor com que se dá. E a fome pode não ser mitigada com o alimento que se toma. Há outra espécie de fome, e mais intolerável, que aquela que reclama o alimento, e essa reside no coração. Deus vos afaste dela, meus queridos meninos, e que Ele proteja todos os inocentes, porque essa fome de que vos falo, ah, essa é terrível ! É a necessidade de amor e de ternura, é a ânsia duma dádiva fraternal de carinho, é o peso da solidão no meio de uma multidão.

Era desta fome que o menino sofria. Ele sentia a saudade de um beijo que nunca tivera e o desejo de uma ternura sem esperança. Nunca uma mão carinhosa lhe afagara o cabelo nem uns lábios doces lhe afloraram a face. E o menino, na calada da noite, imaginava que uma senhora linda e boa ali vinha e lhe sorria com ternura. Depois, cansado por um dia de trabalho, entrava no sono menos triste. E esperava sempre a noite com ansiedade, para, na solidão do seu cubículo, imaginar e sonhar. No dia seguinte, com os alvores da manhã, vinha a realidade, a vida, o trabalho, a troça, os olhares de dó, os risos abafados. E para ele, pequenino como vós, os dias eram sempre sem Sol, sem a esperança de um «amanhã» mais feliz.
Mas o menino dito feio, que era triste, mas também bom, nunca se zangava.
- «Coitados, pensava, eles não magoam por prazer, é só porque não sabem que as palavras também fazem doer ».

E que cicatrizes deixam por vezes, queridos amiguinhos ! São como marcas de fogo que nunca se apagam.

Um dia, o menino foi mandado a um lugar um pouco distante levar umas ordens do amo, a uns trabalhadores no campo. Era uma tarde de Primavera. Cheirava a urze e a alecrim. O céu muito azul lembrava o manto da Virgem da capelinha. O Sol dourava tudo e tornava mais verde as ervas dos campos e mais vivas as cores das flores. Um regato corria sussurrante lado a lado do caminho, por onde seguia o nosso menino que, livre e só, se sentia quase feliz. Saltitando nas suas débeis perninhas, ele sentia a brisa acariciar-lhe o cabelo e roçar-lhe a face. À sua frente, uma borboleta de asas coloridas esvoaçava em círculos pousando aqui e ali.
- Que linda – monologou ! E, sonhador, pôs-se a seguir com os olhos as suas evoluções. Como que atraída pelo murmúrio das águas, o insecto pousou numa pedra bem no meio da corrente. Fascinado pelas cores da borboleta irrequieta, o menino teve o impulso de a agarrar, mas, quando ia fazê-lo, uma outra mãozinha se lhe antecipou e delicadamente segurou-a entre os dedinhos cor de rosa. Do outro lado da margem estava um outro menino sorridente. Os olhares de ambos cruzaram-se e foi como se já se conhecessem.
Sorrindo sempre, o pequenino que agarrara a borboleta, estendeu-a ao outro, murmurando:
- Vem para aqui. Sei onde há outras borboletas mais lindas do que esta. Vem... E deu-lhe a mão num convite tentador. Brincaram felizes e despreocupados o resto da tarde. O menino feio esqueceu tudo: o recado, os homens que o esperavam, a tristeza que sempre o acompanhava e até a sua fealdade. O Sol estava muito baixo, mas os seus raios ainda incidiam sobre as águas do regatozinho. Cansado mas feliz, o menino sentou-se na relva perfumada e olhando o seu companheiro, admirou-lhe os caracóis louros, a face risonha, os olhos doces. Era um lindo, lindo menino ! Depois, reparou que à sua volta havia uma grande luz. Rodeava-lhe a cabeça loirinha, uma auréola brilhante como a dos santos ou a do Menino Jesus. De toda a figurinha gentil emanava uma claridade como se o menino loiro fosse todo feito de raios de Sol.
- ... Tu tens luz – balbuciou...
- E tu também – respondeu a criança, sorrindo docemente.
Surpreendido, o menino aproximou-se das águas frescas que continuavam a correr e, inclinando a cabeça para nelas se mirar, verificou que, qual espelho brilhante, elas reflectiam a imagem de um menino lindo como ainda não tinha visto outro.

Acabava aqui a história do menino triste e feio que se transformou em luz e beleza. Depois foi sempre feliz e alegre por um milagre misericordioso de Deus. Compreenderam ?


Luis – 2001-02-18

2 comentários:

  1. Pode ser conto;
    Pode ser realidade;
    Pode ser meu, pode ser teu.
    Pode ser de qualquer criança, que por mais feio que seja, é sempre criança, e como tal.
    **
    Para mim todos são lindos
    Quer sejam lindos ou não
    O que importa é que são gente, e têm um coração.
    E todos são filhos de "Deus" queiram os homens ou não.
    **
    Gostei meu amigo, gostei.
    Aquele abraço da amiga
    Rosa

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  2. E cá estamos nesta «andança»
    um p'ra cá, outro p'ra lá
    obrigado p'la sua lembrança
    que cá o rapaz não esquecerá

    E fica reconhecido
    do fundo do coração
    sentido e comovido
    por tal estima e consideração

    Um abraço

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