quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Pode Ter Sido Assim...



« E as trevas cobriram toda a Terra até à hora nona »
( Mateus, XXVII, 45-47 )


Ia alto o sol do meio-dia . Haviam chegado ao monte da Caveira, o Calvário, o Gólgata , em forma de um crânio . Estavam agora na colina da Imolação. Eram três os ladrões . Dois gostavam de surripiar coisas alheias. O Outro furtava almas de seu alheamento obtuso. Era Jesus.

O céu estava carregado, a terra, como em todos os arredores de Jerusalém, seca e sombria. Segundo certas narrações, desfaleceu-lhe o coração por um momento, uma nuvem ocultou-lhe a face de Seu Pai, teve uma agonia de desesperação mil vezes mais pungente do que todos os tormentos. Não viu mais do que a ingratidão dos homens, e arrependen-
do-se, talvez, de sofrer por uma raça vil, exclamou: « Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste ?».

Mas o seu instinto divino triunfou ainda. Ao passo que se extinguia a vida do corpo, tranquiliza-se a alma e voltava pouco a pouco à sua celeste origem. Recobrou o sentimento da sua missão, viu na sua morte a salvação do mundo, perdeu de vista o espectáculo hediondo que se desenrolava a seus pés, profundamente unido a seu Pai, começou sobre a cruz a vida divina que ia passar no coração da humanidade por séculos infinitos.

A atrocidade particular do suplício da cruz estava em se poder viver três ou quatro dias naquele horrível estado sob o escabelo da dor. A hemorragia das mãos suspendia-se depressa e não era mortal. A verdadeira causa da morte era a posição contra natural do corpo, de que provinha horrível perturbação na circulação, dores insuportáveis no coração e na cabeça, e enfim a rigidez dos membros. Os crucificados de compleição robusta não morriam senão de fome. A ideia mãe daquele cruel suplício não era matar directamente o condenado por lesões determinadas, mas expor o escravo,

cravado pelas mãos de que não soubera fazer uso, e deixá-lo apodrecer sobre o lenho.

A constituição delicada de Jesus livrou-O dessa lenta agonia. Tudo leva a crer que da ruptura instantânea de um vaso do coração, lhe resultou, ao cabo de três horas, a morte súbita. Alguns momentos antes de expirar tinha ainda a voz forte. De repente soltou um grito terrível, em que uns ouviram:«Meu Pai, entrego nas tuas mãos o meu espírito !» e que outros, mais preocupados com o cumprimento das profecias, traduziram por estas palavras : « Tudo está consumado !». Pendeu a cabeça sobre o peito e expirou.

Uma antiga lei judaica proibia que se deixasse um cadáver suspenso na cruz depois do pôr do Sol.
Se o corpo crucificado resistia, o carrasco olhava para o Sol a medi- lo e se este tombava apressado rumo ao fim de tarde, também se apressava a ultimar a morte do supliciado. Acresciam novos tormentos. Era o crurifragium, o quebramento das pernas...

Uma forte maceta de ferro era descarregada nas articulações, até por vezes nos peitos... para se cumprir a lei. E a morte surgia rápida e triunfal ! Assim, se Jesus, o Crucificado, não houvera expirado fulminantemente nas três horas, valendo por séculos, a maceta cumpridora teria funcionado para esmigalhar os ossos moribundos.

Mas Cristo era morto. Um soldado disciplinado para a lei do pôr do Sol, alça a lança e dando um grande golpe num dos lados, fura-lhe a arca do peito imóvel para se certificar...

Sim, estava morto !

Aquele Jesus anónimo não transgredira o código e não lhe dera tantos trabalhos como outro corpos na agonia...

E pousou a lança enquanto com pasmo via que da ferida saía... sangue e água !



Luis - 2000-10-25

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