segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Dar expressão ao choupo nas mãos do senhor Albino




A taberna numa rua da aldeia de Portelinha, concelho de Santiago do Cacém é o ganha-pão da família Albino. É ali, num alpendre ensolarado, que nasce na madeira esculpida a arte de Sérgio Albino. Conferir forma a rudes troncos de choupo é um passatempo que o senhor Albino gosta de manter há 14 anos. Um talento que nasceu por acaso.
Sara Pelicano | sábado, 19 de Dezembro de 2009


O mundo rural, charruas, o ataque dos lobos às ovelhas, a lavoura são artefactos e cenas que Sérgio Albino bem conhece e aquelas que gosta de esculpir quando tem um tronco de choupo pronto a talhar. O artesão, de 71 anos, tem na escultura um passatempo. Da taberna que possui na Portelinha, concelho de Santiago do Cacém, tira os rendimentos. Do choupo extrai uma razão uma sorrir.

«A última peça que faço, faço-a com o mesmo gosto com que fiz a primeira. As minhas filhas gostam muito disto. Recebo cartas de longe, devem ir à Internet e sabem», conta. No banco colocado à porta da taberna passa muitas horas do dia talhando a madeira.

As mãos sempre foram um instrumento de trabalho. Contudo, tarde descobriu que elas guardavam em si a capacidade de dar vida a troncos rudes. Deixa o pedaço de cortiça para fazer uma cesta e conta: «Um dia estava a trabalhar no campo, por conta própria. Tirava cortiça e o machado partiu-se. Então fui buscar um pedaço de madeira para fazer um novo. Começou a chover e tive de me abrigar. Olhei para a madeira e pensei: ‘epá isto dava uma charrua!’. Comecei a talhar, a talhar e quando me apercebi tinha feito uma charrua».
Em casa poucos acreditaram que aquela charrua, em ponto pequeno, tinha saído das mãos de Sérgio. Aos poucos, o senhor Albino arriscou continuar a esculpir e a convencer a família e amigos. Hoje, guarda um grande número de peças, únicas, que não quer vender. «Gosto muito disto», afirma em tom de justificação para ficar com tudo o que faz.

Orgulhoso deste saber fazer que descobriu tardiamente (aos 57 anos), como ele mesmo confessa, explica que «nada é feito com máquina eléctrica, é tudo feito à mão. Um pedaço de madeira único. Com lixa, grosa e navalha, vou esculpindo e deitando fora até chegar ao limpo». «Repare», diz Sérgio, «até aos 57 anos, nunca tinha feito nada disto. Gostava muito de ver, mas nunca tinha feito».

As peças deste artesão do litoral alentejano são feitas apenas de madeira. A cortiça aparece, pontualmente, como num chapéu ou numa cesta transportada pelas mulheres do campo. «Mas não gosto muito de trabalhar a cortiça, é mais a madeira», diz.

Há algum tempo atrás teve um jovem a aprender consigo. «Mas olhe, teve de fazer a vida dele. Acho que imigrou», afirma Sérgio. «E as suas filhas?», perguntamos.

«Oh, elas gostam muito disto. Mas isto não dá para mulheres. É preciso muita força», conclui o artesão.

A taberna enche-se de clientes. A mulher precisa de ajuda. Vai então servir o visitante que se abastece das iguarias tradicionais da região, como os enchidos alentejanos.

(em: http://www.cafeportugal.net/pages/sitios_artigo.aspx?id=1476 )


Palavra-chave: alentejo

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